Homenagem de Artur Vieira a Eugénio Tavares, na Academia Internacional de Letras
Rio de Janeiro, Brasil, 1993
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Artur Vieira, poeta, jornalista, escritor cabo-verdiano, nasceu na Ilha Brava em 21 de Maio de 1932. É membro efectivo da Academia Internacional de Letras, ocupando a cadeira nº 47, patronímica EUGÉNIO TAVARES. Reside no Rio de Janeiro, em companhia de sua esposa Gedioni Vieira e dos filhos Artur e Eduardo.
Cursou Contabilidade, Administração de Empresas, Jornalismo e Ciências Económicas. Participou em vários eventos literários, colaborou em revistas e jornais no Brasil, Europa, Cabo Verde e E.U.A.
Fundou e dirigiu, com Luis Romano, a revista "Morabeza - Divulgação Internacional da Arte e Cultura Caboverdiana".
É autor dos seguintes trabalhos: |
Artur Vieira |
Galafo; Os Pródigos; O Colportor; Natal; O Filho Pródigo; Um Note na Djabraba; Matilde, Viagem do Destino; Ninho de Saudade; Raízes de Emoções; Descobrimento da Brasilândia, Ano 2000.
Constam produções de sua autoria nos livros "Odisseia Crioula", "Across the Atlantic", "Corcel Negro", "No Reino de Caliban", entre outros.
Director do Centro Intercontinental Português, é um dos fundadores da Associação-Caboverdiana, no Rio de Janeiro. |
Artur Vieira, de regresso à Ilha Brava presta a sua homenagem a Eugénio Tavares
Artur Vieira foi rever os cardeais da ilha que deixara 35 anos atrás. Artur soube regressar com dignidade e os conterrâneos também souberam acolhê-lo dignamente e com a tradicional morabeza. A começar pelo Sr. Presidente da Câmara, Jorge Nogueira, que no dia 31 de Julho organizou uma sessão para homenagear o ilustre filho da Brava que soube voltar para dizer Obrigado à terra que o viu nascer e fazer memória de Nho' Eugénio. A sessão, que foi aberta pelo Presidente da Câmara, contou com destacadas personalidades do meio bravense e participação de José Domingues, com o seu acordeão e violão, bem como de Raul de Pina, o popular violinista e de José Falcão e outros interprétes da música cabo-verdiana. Foi uma solenidade marcante e vários jovens manifestaram os seus pendores artísticos, recitando poemas. Uma noite de arte e poesia, encerrada eloquentemente por Jorge Nogueira.
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Arur Vieira entre o Padre Mário e o Presidente da Câmara da Brava, Jorge Nogueira, numa tarde cultural, no Salão Nobre da Câmara, durante a homenagem prestada a Eugénio Tavares em 1995 |
Eis o discurso proferido por Artur Vieira, homenageando Eugénio Tavares:
"Retrocedendo na História, verificamos que em determinado momento aconteceu um episódio que viria alterar todo o contexto social e cultural da ilha Brava.
Foi quando partiu o primeiro emigrante. Entre lágrimas e abraços, acenos e emoções, singrou os mares para enfrentar o desconhecido e vivenciar os costumes de países longínquos. Deixou os pais, os amigos, a morada, a ilha. Levou; na bagagem, a dor da despedida, a saudade de um amor a pulsar no peito.
Tempos depois, veio a primeira carta. A notícia se espalhou, inundando a Brava de contentamento.
Decorridos anos, regressa o primeiro "embarcadio". Entre explosões de alegria, é recebido aos gritos de "Selo!", num festivo reencontro marcado por risos e lágrimas de emoções.
Outros idealistas partiriam e voltariam, numa sequência contínua, tangenciando assim uma situação que estaria formalizando novos conceitos, tendentes a moldar o ambiente sócio-económico e cultural.
Um facto porém, acontece. O emigrante comunica o seu retomo. Não chega. O barco desaparece nas procelas. E a mãe velha passa o resto da vida de olhos cravados no horizonte, por vezes confundindo as nuvens com o veleiro, à espera do filho.
Também, entre os que partiram, muitos acalentaram a esperança de regressar, mas as situações adversas, infortúnios vários, os amarraram definitivamente no Estrangeiro, amargando o querer voltar e ter que ficar.
Esse conjunto de situações entranha-se no quotidiano e na alma bravense, e transforma nossas canções em toadas plangentes, porém recheadas com o sorriso e o amor das raparigas.
Aparecem então os violões, mesmo em noites sem luar, gemendo baixinho pelas ruas e encruzilhadas. As festas adquirem novo colorido e os foguetes pipocam os céus. Os poetas cantam o lirismo bravense.
Entra então em cena EUGÉNIO TAVARES, o mais inspirado cultor da literatura Caboverdiana. Com ele, a Brava galga o apogeu.
Poderíamos falar de outros eminentes vultos contemporâneos de Eugénio ou que o sucederam, mas nos declinamos desse mister e pedimos vênia para, nesta noite de Arte e Poesia, evocar a presença desse incontestável génio da literatura.
Foi, de facto, quem melhor organizou, estruturou e dimensionou as actividades lítero-musicais de um ambiente permeado de anseios, de lirismo, de lágrimas e saudade. Eugénio transformou-se em porta-voz de nossas emoções, pincelando de matiz todo especial as canções locais. A Brava, romântica e saudosista, se tornou o jardim da "morabeza", das flores e do encanto feminino.
As mornas de «Nho Génio», percorreram o Arquipélago todo, conquistaram corações, transformando-se num hinário da nossa identidade cultural. Portanto, as gerações se sucederam, mas Eugénio continuará no coração do povo como filho dilecto de Cabo Verde.
Esta noite de ARTE E POESIA se reveste de significado todo especial, em que literatos, músicos e baluartes da cultura bravense se irmanam numa "homenagem" à memória do maior vulto da nossa literatura. O nome de EUGÉNIO TAVARES, imortalizado na Cadeira no. 47 da Academia Internacional de Letras, que me cabe a honra de ocupar, estará sempre presente na alma caboverdiana enquanto existir a morna.
Vim de longe para esta homenagem. Percorri os descaminhos da vida com os pés sangrando e o coração em pedaços. Vim de longe, de muito longe, e represento a Diáspora. E aqui estou na qualidade de irmão e filho da Brava.
Sinto-me plenamente recompensado, na certeza de que esta noite de Arte e Poesia tangenciará outros encontros proporcionando assim a permuta de experiências no sagrado e espinhoso labor literário.
Muito obrigado."
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Informações adicionais |
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Artur Vieira, no dia da tomada de posse como membro da Academia Internacional de Letras , tendo como seu patrono o poeta Eugénio Tavares. Encontra-se ladeado à esquerda pela sua esposa Gedioni . |
Artur Vieira
Nascido na Ilha Brava, radicou-se muito cedo no Brasil. Distinto Académico, Escritor e Poeta entrou para a Academia Brasileira de Letras onde escolheu Eugénio Tavares para seu patrono. Tem muita obra publicada desde peças de Teatro a Romances, tais como Matilde que debruça sobre a História Trágico Marítima de Cabo Verde. Matilde narra o desaparecimento do navio com esse nome que viajava a caminho dos Estados Unidos com dezenas de Bravenses a bordo. Artur Vieira afigura-se como um excelente dramaturgo ao tratar desta tragédia. Neste número de Artiletra citamos o que Artur Vieira diz de Eugénio Tavares:
"APOTEOSE - A inspiração me alçou aos páramos do Infinito onde figuram mundos de infinita singeleza. Os arcanjos entoam sacros madrigais, Eu fito a opulência diáfana da Eternidade! Um vate reza.Quem será? E porque algemado de mística tristeza? Ah é um trovador nostálgico que anseia os pátrios ares e que quer voltar a Cabo Verde!
Seu nome? EUGÉNIO TAVARES."
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Artur Vieira, na Praça Eugénio Tavares, Ilha Brava, depois de longos anos emigrado no Brasil. |
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