EugenioTavares.org | 10.2011
"Nativistas companheiros de Eugénio Tavares - Loff de Vasconcelos", por José António Nobre Marques Guimarães
Luís Loff de Vasconcelos: Do apogeu à decadência do nativismo em Cabo Verde
Luís Loff de Vasconcelos, jornalista e publicista nativista, nasceu em data desconhecida do século XIX, na ilha Brava, e faleceu em 1923, na ilha de S. Vicente, em Cabo Verde. Filho de um advogado português, administrador da ilha de Maio (de onde era natural a mãe do jornalista) e, mais tarde, presidente da câmara da Praia, em 1895 foi nomeado substituto do juiz de paz da ilha Brava, passando, em 1897, a viver em S. Vicente, onde viria a exercer advocacia, depois de estudar direito em França, na Sorbonne.
Encarado, por diversos autores, como o ideólogo da geração de 90, pelo seu papel de defensor intrépido dos interesses e do progresso do arquipélago e dos seus naturais, o seu nome ficaria ligado à consciencialização política dos cabo-verdianos, enquanto povo diferente dos portugueses[1], para o que contribuiria a sua intervenção política nativista, sobretudo através da imprensa, de que viria a ser um dos principais impulsionadores na colónia. Actividade no exercício da qual fundaria e dirigiria a Revista de Cabo Verde, em 1899, que inauguraria a intervenção nativista na imprensa, fazendo emergir uma geração que marcaria, de forma indelével, a história política e jornalística da colónia, mesmo para além da sua publicação, só possível devido ao talento e à tempera de Eugénio Tavares e de José Lopes da Silva, que, juntamente com o seu mentor, Loff de Vasconcelos, participariam no projecto.
Fundador de jornais como A Opinião, em 1902 e O Independente (enquanto proprietário), em 1912, Loff de Vasconcelos colaboraria ainda nos periódicos O Colonial e O Ultramarino e, após a implantação da República, n’ A Voz de Cabo Verde, que, entre 1911 e 1919, viria a ser a principal tribuna do combate republicano e nativista dos naturais do arquipélago contra a opressão colonial portuguesa[2]. Apologista dos valores republicanos e laicos, pugnaria pela fundação de um liceu oficial em Cabo Verde, distinto do confessional Seminário - Liceu da ilha de S. Nicolau[3]. Do mesmo modo que, no Memorial dos Habitantes da ilha de S. Vicente de Cabo Verde ao Exmo. Sr. Ministro da Marinha e Ultramar, Redigido e apresentado em conferência pública na sala dos passos do concelho, no dia 15 de Janeiro de 1900, publicado em Lisboa nesse ano, bater-se-ia pela mudança da capital da colónia para S. Vicente – dada a importância adquirida pelo Porto Grande desta ilha, situado no cruzamento das rotas atlânticas, na viragem do século XIX para o século XX – defendendo a sua valorização para atrair maior fluxo de navegação, para o que invocaria a necessidade de suprir as suas deficiências logísticas e pautais, que tinham sido invocadas na reforma administrativa promovida pelo ministro Ferreira do Amaral, em 1892, para fundamentar a recusa da concessão ao arquipélago do estatuto de adjacência (como o da Madeira e dos Açores) reivindicado pelos cabo-verdianos[4].
Por outro lado, opor-se-ia veementemente à venda das colónias defendida em diversos meios políticos metropolitanos (de que o deputado Ferreira de Almeida seria o porta-voz), a propósito do que daria expressão embrionária ao nacionalismo cabo-verdiano, como decorre do que escreveria num livro publicado em Lisboa:
«Feridos profundamente no nosso duplo patriotismo, de português e de africano, não podemos deixar de patentear o nosso desgosto, o nosso pesar, ante essa ideia, que, embora perfilhada por um distinto parlamentar, reputamos fundamentalmente afrontosa para o brio nacional e humilhante para os naturais das colónias. (…) Temos inúmeras razões, como filho de uma das colónias portuguesas, para graves ressentimentos contra a mãe pátria, pela sua descuidada tutela e desleixada administração colonial, que não tem permitido o largo desenvolvimento moral e material que a nossa terra, o nosso querido Cabo Verde, poderia ter. As leis que se decretam para esta província, ou são inexequíveis ou atrofiadoras. Esta província, que administrada por leis boas, sensatas, práticas, estaria hoje à altura da Madeira, ainda deve muito à civilização e ao progresso. (…) Pondo de parte agora, todos os ressentimentos, todos os agravos que os africanos têm contra a mãe-pátria, sejamos, acima de tudo, portugueses. (…) Nascemos portugueses, queremos morrer portugueses. (…) Queremos, pois, ser portugueses como os portugueses, queremos as mesmas regalias, os mesmos respeitos, as mesmas atenções governativas. Porém, o que não queremos é ser vendidos. (…) O receio que as colónias se desenvolvam e, a breve trecho, se emancipem, sem ficarem nossos mercados, não justifica a venda d’elas, e agora percebemos o motivo da relutância do governo da metrópole no desenvolvimento das suas colónias. Têm medo da emancipação africana! Afinal o principal argumento para vender parte das nossas colónias é o agravamento que elas trazem ao tesouro. (…) Mas, demos de barato, que na realidade as colónias estão sobrecarregando a mãe-pátria e fazendo o seu infortúnio. Por parte de Cabo Verde, apresentamos o seguinte alvitre: Abandonem-nos»[5].
Recorde-se que, nessa altura, Eugénio Tavares também se insurgiria contra a pretensão portuguesa de venda das colónias reivindicando a autonomia para Cabo Verde, no jornal A Alvorada, que publicaria no seu exílio americano. Por último, a questão das crises devastadoras de seca e de fome, como a de 1900-1903, e o seu aproveitamento pelas autoridades coloniais com o objectivo de forçar a deslocação de contratados cabo-verdianos famintos para as roças de S. Tomé e Príncipe, também levariam Luís Loff de Vasconcelos a denunciar a conivência do governo metropolitano com a recusa da administração da colónia, sob o comando do governador Paula Cid, de socorrer os flagelados pela catástrofe, no livro que sob o título, O Extermínio de Cabo Verde. Pavorosas revelações, publicaria em Lisboa em 1903[6].
Década e meia depois desta publicação, desiludido com a evolução do arquipélago, em larga medida decorrente do endurecimento da política colonial da República, Luís Loff de Vasconcelos aproveitaria as últimas edições d’ A Voz de Cabo Verde, para nelas publicar uma série de artigos em que procuraria delimitar o alcance e a importância real do nativismo, reduzindo-o a um mero exclusivismo regionalista e preconizando a colaboração política e administrativa dos cabo-verdianos com os europeus residentes e identificados com Cabo Verde, que, em sua opinião, deixara há muito de ser uma colónia, constituindo uma parte integrante de Portugal, à semelhança dos Açores e da Madeira[7]. O que o levaria a rejeitar a tão apregoada identificação do nativismo com o ódio de raça dirigido contra os portugueses metropolitanos, uma vez que, em sua opinião, tinham sido eles que tinham proporcionado a nação e a ciência que os cabo-verdianos transmitiam aos seus filhos, assim como aos filhos dos seus educadores[8]. Postura que fundamentaria, situando a origem do nativismo no Brasil, onde, do seu ponto de vista, ele não constituía um ódio de raça, mas uma forma política dos brasileiros reivindicarem os seus direitos contra estranhos, concluindo que tinha sido dado um significado moral e político falso ao nativismo cabo-verdiano ao fazê-lo decorrer do ódio de raça e ao caracterizá-lo como manifestação de rebeldia[9].
De onde podemos concluir que Luís Loff de Vasconcelos optara por sair do campo do nativismo anti-português, anti-branco e anti-colonial, incentivando os cabo-verdianos a desistir de retaliações estéreis e a trabalhar para se valorizarem como portugueses úteis e instrumentos proveitosos do progresso nacional e regional, acabando por limitar o horizonte das aspirações dos seus conterrâneos à autonomia, enquanto “solução” descentralizadora para os problemas de administração da colónia, há muito reivindicada pelos nativistas mais “moderados”, como José Lopes da Silva[10]. Misto de desmoralização e de lucidez que, de algum modo, reflectia os primeiros sinais de decadência do nativismo e de descrédito no regime republicano à medida que este intensificava a exploração e a opressão colonial, ao ponto de ameaçar instaurar o indigenato em Cabo Verde[11] e que, por outro lado, levaria Luís Loff de Vasconcelos a desvanecer as ilusões de quantos pensavam poder contrariar esta tendência, recorrendo à mobilização solidária internacional dos socialistas, como decorre do que viria a escrever num artigo publicado n’ A Voz de Cabo Verde, em Fevereiro de 1918: «O encarniçamento da guerra actual, com todas as suas pavorosas hecatombes, não é, no fundo, outra coisa. São povos que lutam pela sua expansão e autonomia económica e política. E agora viu-se, melhor que nunca, que a confraternização dos povos pelo socialismo internacional, não era mais do que uma doce e grande ilusão».[12]
Na verdade, perante a deflagração da I Guerra Mundial, em 1914, a maioria dos partidos socialistas filiados na II Internacional abandonaria a política internacionalista de mobilização dos trabalhadores das diversas nações contra o capitalismo e a guerra, em benefício da sua subordinação à defesa nacional, aprovando os orçamentos militares dos estados-maiores dos respectivos países, obstáculo que, durante muito tempo, inviabilizaria qualquer hipótese de acção revolucionária internacional coordenada contra o imperialismo e que nem a fundação da Internacional Comunista, em 1919, na sequência da vitória da revolução russa de 1917, estaria em condições de superar, dada a débil influência da esmagadora maioria dos seus partidos no movimento operário mundial, antes da sua subordinação definitiva aos interesses diplomáticos da oligarquia da União Soviética após a subida de Staline ao poder, em 1922-1923[13].
Julho de 2011
José Marques Guimarães
Bibliografia:
[1] OLIVEIRA, João Nobre de, A Imprensa Cabo-Verdiana 1820 – 1975, Macau, Fundação de Macau, 1998, pp. 821 – 822.
[2] OLIVEIRA, João Nobre de, op. cit., p. 822.
[3] VASCONCELOS, Luís Loff de, «A criação de um liceu em Cabo Verde», Revista de Cabo Verde, S. Vicente de Cabo Verde, Lisboa, Imprensa de Libânio da Silva, Janeiro de 1899, nº1, pp. 11 – 12 e GUIMARÃES, José António Nobre Marques, A Difusão do Nativismo em África: Cabo Verde e Angola - Séculos XIX e XX, Lisboa, 2002, Dissertação de Mestrado em História de África apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, policopiado, Volume I, p. 92.
[4] VASCONCELOS, Luís Loff de, Memorial dos Habitantes da ilha de S. Vicente de Cabo Verde ao Exmo. Sr. Ministro da Marinha e Ultramar, Redigido e apresentado em conferência pública na sala dos passos do concelho, no dia 15 de Janeiro de 1900, Lisboa, Imprensa de Libânio da Silva, 1900 e GUIMARÃES, José António Nobre Marques, op. cit., pp. 85 – 86.
[5] VASCONCELOS, Luís Loff de, A Perdição da Pátria, Lisboa, Imprensa de Libânio da Silva, 1900, pp. 1 – 34 e OLIVEIRA, João Nobre de, op. cit., pp. 177 – 179.
[6] VASCONCELOS, Luís Loff de, O Extermínio de Cabo Verde. Pavorosas revelações, Lisboa, Livraria Editora Guimarães, Libanio & C.ª, 1903; BARCELOS, Cristiano José de Sena, Alguns apontamentos sobre as fomes em Cabo Verde desde 1719 a 1904, Lisboa, Tipografia da Cooperativa Militar, 1904, pp. 66 – 67 e 82 – 85 e GUIMARÃES, José António Nobre Marques, op. cit., pp. 83 – 85.
[7] GUIMARÃES, José António Nobre Marques, op.cit., p. 114.
[8] GUIMARÃES, José António Nobre Marques, op.cit., p. 114
[9] GUIMARÃES, José António Nobre Marques, op.cit., pp. 114 – 115.
[10] GUIMARÃES, José António Nobre Marques, op.cit., pp. 115 – 116.
[11] Na sua reacção indignada contra a anunciada ameaça de instauração do indigenato em Cabo Verde por parte do governo metropolitano da República, Eugénio TAVARES escreveria em 1915: «O Projecto de carta orgânica (…) não satisfaz ao desenvolvimento de Cabo Verde. Porque Cabo Verde não é Timor. Porque em Cabo Verde não há tribos selvagens. Porque o cabo-verdiano é um elemento civilizado da nacionalidade portuguesa. (…) Nunca, diz-se, se viu na monarquia este povo perto da completa anulação de todos os seus direitos! Que é que nos trouxe a República? A revogação dos direitos que tínhamos na monarquia. Que regime é este de administração cabo-verdiana? De autonomia? Não. De sujeição absoluta, afrontosa, injustificável!!! (…) Cabo Verde vai ser uma Esparta cujos Licurgos se inspiram nas trevas medievais para, à sombra da bandeira de uma República, planejarem, numa ironia pungentíssima, a escravização de um povo honesto, bondoso e trabalhador» (TAVARES, Eugénio, «Província de Cabo Verde – O Projecto da Carta Orgânica: Cabo Verde vai ter o que só convém aos sertões! – Regime de sujeição; não de autonomia! – Em plena República, pior que nos mais calamitosos tempos da monarquia! – Reminiscências da lei de 13 de Fevereiro! – Eufemismos e ratoeiras!», A Voz de Cabo Verde, Praia, 29 de Março de 1915, nº 189, p. 1 e GUIMARÃES, José António Nobre Marques, op. cit., pp. 110 – 113).
[12] VASCONCELOS, Luís Loff de, «Entendamo-nos», A Voz de Cabo Verde, 18 de Fevereiro de 1918, nº 332, p. 1 e GUIMARÃES, José António Nobre Marques, op. cit., pp. 116 – 117.
[13] GUIMARÃES, José António Nobre Marques, op. cit., p. 117 e BROUÉ, Pierre, Histoire de l’Internationale Communiste, 1919-1943, Paris, Fayard, 1997.